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Litera Web

ago 19, 2017

O enigma de Drummond na lista da Fuvest

“O mundo não vale o mundo,
meu bem,
Eu plantei um pé-de-sono,
brotaram vinte roseiras.
Se me cortei nelas todas
e se todas se tingiram
de um vago sangue jorrado
ao capricho dos espinhos,
não foi culpa de ninguém.
O mundo,
meu bem,
não vale
a pena, e a face serena
vale a face torturada.”

 

O livro “Claro Enigma”, de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1951, passa, neste ano, a integrar a lista de leitura obrigatória do vestibular da Fuvest. A obra é composta por 41 poemas e pertence à chamada terceira fase do poeta mineiro, conhecida como “Eu igual ao mundo”. Para entender tal denominação, entretanto, é importante passear pela obra de Drummond.

Seus livros de estreia, “Alguma poesia” e “Brejo das Almas”, de 1930 e 1934, respectivamente, apresentam um poeta olhando para si e para o universo à sua volta – fase conhecida como “Eu maior que o mundo”. Nela, o humor, a ironia e o verso livre (influências modernistas) dão forma a uma poesia centrada na infância, na terra natal, na família e nos amigos. Observamos, então, um discurso marcado pela subjetividade, em detrimento de uma temática de ordem política e social. “Mundo, mundo, vasto mundo / mais vasto é o meu coração”, anuncia o “Poema de sete faces”, abertura do primeiro livro do autor.

O advento do Estado Novo e o início da Segunda Guerra Mundial, contudo, mudam de forma sensível a percepção do itabirano. “Sentimento do mundo”, seu terceiro livro, desde o nome apresenta uma transição para o “Eu menor que o mundo”. Nesta obra há uma busca pelo entendimento da realidade, dos problemas políticos e das suas consequências na vida das pessoas. O tom alcança o pessimismo e a construção gramatical preza pela diferenciação de um “eu” representativo do próprio poeta, descendente de proprietários rurais, e um “tu”, o proletariado, o trabalhador fabril. “Tenho apenas duas mãos / e o sentimento do mundo”, versos do poema homônimo ao livro, mostram-se também significativos. As publicações seguintes, “José” e, principalmente, “A rosa do povo”, vêm aprofundar este olhar politizado.

O fim da Guerra não trouxe o alento esperado. A Guerra Fria surge e sepulta as possibilidades daquilo que Drummond propõe em “Mãos Dadas”. O entendimento na pluralidade, o fim das fronteiras e das barreiras entre os indivíduos não se concretiza e o poeta é tomado pelo niilismo em sua forma mais negativa – nem Nietzsche, a abandono dos “ídolos” é essencial à emancipação do homem, o que não se ver no sujeito de “Claro Enigma”, marcado profundamente pelo peso de uma existência sem sentido. O chamado “Eu igual ao mundo” surge com a marca da resignação, do abandono das antigas crenças políticas e religiosas. Nesta última fase, o poeta pensa a si como homem envelhecido em idade e em convicções. Nota-se, também, uma retomada de valores clássicos, de influência barroca (vista desde o título do livro, um paradoxo) e clássica, como no uso do soneto e em referências à tradição grega.

Ao aluno, cabe, portanto, uma leitura ampla do livro. Inseri-lo no contexto da obra drummondiana pode ser valioso, uma chave interpretativa para diversos textos.

Carlos Drummond de Andrade na Livraria Leonardo da Vinci no Rio – foto-Eurico Dantas. 15-10-1982

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